terça-feira, 2 de julho de 2013

Leonardo da Vinci, o primeiro cerimonialista?


Cultura nunca é demais. Olhem só o que achei!

Leonardo da Vinci

Por Sophie Chauveau

O inventor de festas, o festaiolo

Na corte de Ludovico, todos os artistas sonham que recebem a prestigiosa encomenda - o grande projeto do duque de que se fala em toda a Itália, a enorme estátua equestre que ele deseja oferecer como mausoléu a seu pai. Leonardo sonha com isso, como os outros. Mas por que caberia a um toscano, ainda mais não escultor, realizar o grande sonho lombardo? Porque é o que ele quer mais do que tudo.

A chantagem exercida pelo duque sobre os artistas que se impacientam na corte à espera da encomenda só não afeta Leonardo, embora ele a deseje avidamente e tenha a impressão de que sua vida depende disso. Ele aceita que o duque o mantenha na dependência, adiando a resposta, encomendando-lhe outras coisas que lhe passam pela cabeça. Por sorte, a diversidade das tarefas satisfaz esse incrível topa-tudo. Essa chantagem vai durar alguns anos. Leonardo é convidado uma primeira vez a organizar uma festa, o sucesso lhe garante uma outra e uma terceira... Ao final de cada uma delas, que se apagam mutuamente e são sempre ditas “inesquecíveis”, Leonardo espera que finalmente lhe encomendem o que ele mesmo chama de Grande Cavalo. Isso não o impede de sentir uma grande alegria, acompanhada de excitação, ao conceber e produzir tais festas.

É assim que ele se torna o encarregado de organizar as festas dos Sforza. Supervisiona a confecção e a instalação dos aparatos, dos cenários a céu aberto, enfeita com bandeiras ruas e praças, monta um verdadeiro estúdio de cinema nos castelos e palácios... Geralmente começa por criar o lugar do espetáculo, antes de conceber e criar a mise-en-scêne.

Uma das primeiras e das mais espetaculares dessas festas é a do casamento de Isabela de Aragão com Giangaleazzo Sforza, o já mencionado sobrinho de Ludovico do qual ele usurpa cada vez mais o ducado. Quanto à noiva, Isabela de Aragão, ela pertence à mais poderosa casa da Itália e representa um ganho inesperado para o Mouro. A festa deve deslumbrar, com prazeres inebriantes capazes de fazer o noivo esquecer toda veleidade de poder sobre o ducado - poder que ele está perdendo. Deve também demonstrar às cortes estrangeiras convidadas que o tempo do prazer voltou a Milão após um período de distúrbios. É uma outra forma de afirmar os valores do duque. Essas festas constantemente renovadas, essas fantasias efêmeras logo se elevam, por si sós, à condição de obras de arte.

O cortejo nupcial é esperado em Tortona, que Leonardo faz enfeitar inteiramente com aparatos, tapeçarias, festões, guirlandas...

Nessa ocasião ele faz aparecer pela primeira vez o que vai assegurar seu sucesso a vida inteira, alimentá-lo nos períodos mais áridos e lhe valer a reputação um imenso autômato que representa aqui um guerreiro gigante a cavalo, animado do interior, e que parece conduzir-se de maneira autônoma, capaz inclusive de reconhecer a noiva, marchando em direção a ela com um passo firme, saudando-a com seu braço mecânico e oferecendo-lhe um ramo de flores que tira do peito aberto! A surpresa que ele causa não encontra epítetos à sua altura. A corte fica boquiaberta. O monstro gigantesco que anda sozinho e reconhece a noiva é o retrato escarrado de Ludovico É impressionante! Mas a morte súbita da mãe da noiva interrompe a festa. As cerimônias são adiadas para o ano seguinte, quando Leonardo deverá se superar retomando as bodas e a festa no ponto em que as deixara, no momento do “cavaleiro mecânico”.

Assim, em 13 de janeiro de 1490, um ano depois do seu golpe de mestre, tem lugar a famosa festa do Paraíso. Leonardo obteve carta branca do duque para assegurar seu êxito. A festa não se realiza mais em Nápoles, mas desta vez em Milão. Para seduzir a casa de Aragão, é preciso deslumbrá-la. Ainda mais que a jovem noiva, um ano depois de suas bodas interrompidas, pôs-se a duvidar da virilidade do futuro esposo. A suntuosidade da festa deve também eclipsar as manobras de Ludovico para conservar o poder sobre o ducado

Nos salões do Castelo Sforza, Leonardo concebeu um cenário feérico no centro do qual se instalam, num grande estrado, os convidados mais prestigiosos. O ar está saturado de perfumes de mirra, almíscar canela e aloé. Olhando-se para o alto, vê-se um domo feito de ramagens com os brasões das duas famílias. Nas paredes, cenas guerreiras glorificam o antepassado dos Sforza e exaltam as lendas familiares. Músicos harmonizam e ligam entre si os diferentes momentos da noitada, dando-lhe uma endiabrada unidade. O Paraíso, ao fundo, está provisoriamente encoberto por uma grande cortina preta. Após os prelúdios musicais, Isabela de Aragão abre o baile com uma dança napolitana seguida de mascaradas. À meia-noite aparece um anjo que misteriosamente faz levantar a cortina do Paraíso, revelando um céu cheio de estrelas.

Num turbilhão de jogos de luz pontuados de harmonias instrumentais, Isabela é o objeto de inúmeras e delicadas atenções. Apolo, enciumado, vê Júpiter prestar a ela uma homenagem declarada e pedir a Mercúrio, o mensageiro dos deuses, que enumere o dom das Graças pagãs e das virtudes cristãs. É magnífico o cenário pintado em perspectiva faz esquecer que se está no salão do castelo, tamanha é a surpresa desses efeitos realçados pelas roupas, pelos jogos de luz, pela música vocal e instrumental... Essa festa será lembrada por muito tempo, muitas vezes imitada, nunca igualada.

Para o Mouro, o casamento do sobrinho é um ato político da maior importância para poder controlá-lo. O jovem tem apenas o título de duque, não ainda suas responsabilidades. E, se tudo se passar como quer Ludovico, nunca as terá. No entanto, em consequência dos cuidados prodigalizados por Leonardo e sobretudo pelo alquimista Zoroastro, o frágil sobrinho parece ter recuperado, como por milagre, um pouco do sangue do tio, de sua seiva e seu vigor Pois pouco depois dessa festa começam os bochichos de que “a duquesa está grávida e que Giangaleazzo sofre de problemas de estômago por ter se excedido...”, o que faz aumentar se não a reputação de feitiçaria do próprio Leonardo, pelo menos os talentos de magia de Zoroastro. Também aí Leonardo e seus amigos causam uma impressão duradoura.

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